quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Star Trek Annual Vol 1. número 3 - Retrospect (1988)



Star Trek Annual Vol 1. número 3 - Retrospect (1988)

Roteiro: Peter David

Arte: Curt Swan

Arte-Final: Ricardo Villagran

Editora: DC Comics



"É sempre um pouco perturbador, perder uma pessoa amada e sentir um minúsculo sopro da sua própria mortalidade ao mesmo tempo."


O engenheiro-chefe Montgomery Scott recebe a notícia da morte de sua esposa, e através de um cordão deixado por ela, relembra fatos importantes de sua vida desde a infância na Escócia.


Sempre fui mais ligado em Jornada nas Estrelas (Star Trek) do que em Guerra nas Estrelas (Star Wars), provavelmente por causa do ritmo mais lento e do melhor desenvolvimento dos personagens, já que os atores e escritores trabalharam mais de vinte anos no assunto.


Guerra nas Estrelas é mais fantasia, faroeste, ação, e tem uma estrutura de roteiro pronta e testada, que é a Jornada do Herói, muito estudada por Joseph Campbell em seu livro O Herói de Mil Faces. Já Jornada nas Estrelas foi um produto da década de 1960, da disputa pelos direitos civis dos negros, da consolidação do feminismo, da Guerra Fria, sempre procurando retratar esses temas delicados através da relação entre humanos com seres e planetas alienígenas.


As histórias em quadrinhos sempre foram utilizadas por essas séries como uma forma de extensão dos filmes, e até hoje são publicadas, satisfazendo a sede dos fãs. Acontece que sempre faltou consistência nos quadrinhos dessas franquias, que alternam bons e maus momentos. Porém, garimpando com cautela, acharemos excelentes histórias, como essa feita em 1988 por Peter David e pelo lendário Curt Swan.


David, conhecido dos fãs de quadrinhos e fanático por Jornada nas Estrelas, é mais lembrado pela sua longa estadia escrevendo O Incrível Hulk, além de ter escrito uma das melhores histórias do Homem-Aranha: A Morte de Jean DeWolff. Já Curt Swan, falecido em 1996, é o principal desenhista do Superman em todos os tempos, tendo trabalhado com o herói por décadas.


A história se situa entre o segundo filme, A Ira de Khan, e o terceiro, A Procura de Spock, um momento particularmente difícil para Scott, já que seu sobrinho morre ao final do segundo filme e ele é considerado culpado pela família. É bom lembrar que os personagens aqui já passaram da meia-idade, o que torna a história especial e difícil de ser escrita. Em Retrospect, David segue a risca os mandamentos de Jornada nas Estrelas, que é mostrar a relação de amizade, confiança e intimidade entre os personagens, e é o que faz essa série ser eterna e cativante. Uma ótima leitura para os apreciadores.


Pros:

- Retrata fielmente o espírito da série, mais lento e dando profundidade aos personagens.

- David faz bom uso dos flashbacks, a técnica de rever fatos do passado, e que deve ser usada com muito cuidado. Não há a indicação na maioria das vezes de que há a passagem do tempo, mas o leitor consegue absorver a mudança devido a uma transição bem feita.


Contras:

- Para ter uma apreciação e entendimento da história, é necessário todo um conhecimento prévio sobre Jornada nas Estrelas. Apesar do tema central ser universal, a perda de um ente querido, há a necessidade de sabermos inclusive alguns detalhes dos filmes para podermos aproveitar a obra ao máximo.

- Os personagens já possuem certa idade, o que pode dificultar um pouco a ligação com leitores mais jovens.

- Muitas vezes um painel de quadrinhos não precisa ter o fundo desenhado para dar mais destaque aos personagens, porém, o background dos painéis na maioria das situações é inexistente ou pouco trabalhado.


Rating: 9/10

domingo, 2 de agosto de 2009

Maus (1986 e 1991)



MAUS (1986 - 1991)


Roteiro e Arte: Art Spielgeman

Editora: Pantheon, Companhia das Letras (Brasil)



"Precisar de muitos livros minha vida [sic] , ninguém quer ouvir esses [sic] histórias."


A década de 1980 foi crucial para o enfraquecimento da idéia de que as histórias em quadrinhos eram apenas histórias de super-heróis com capas e poderes fantásticos. Com o lançamento de Um Contrato com Deus de Will Eisner em 1978, o caminho se abriu um pouco para vários talentos, muitos já conhecidos no mercado independente, experimentarem e desenvolverem suas técnicas para um público um pouco maior, saindo do underground.


Maus talvez seja o principal exemplo desse movimento. Art Spielgeman, um ícone dos quadrinhos subversivos americanos, expressa no papel a fascinante e pesada história do seu pai, um judeu sobrevivente dos campos de concentração da Segunda Guerra. Spielgeman sempre teve que conviver com os traumas que ficaram após o conflito, já que não só o seu pai, mas também sua mãe foi aprisionada pelos alemães. Essa convivência difícil, aliada ao movimento hippie e de liberdade da década de 1960, contribuiu para Spielgeman se mergulhar nas drogas e entrar em um colapso nervoso, tendo que passar um tempo em um sanatório. Para piorar a situação, sua mãe cometeria suicídio, tornando ainda mais complexa a relação do desenhista com seu pai. No início da década de 1980, Spielgeman finalmente resolve colocar sua dor na ponta da caneta.


O primeiro volume sairia em 1986 e o segundo em 1991 (a versão brasileira é a completa com os dois volumes). Spielgeman ainda iria além e desenharia os personagens de Maus com formas antropomórficas de animais. Os judeus são ratos (maus em alemão), os alemães são gatos, os americanos são cachorros, etc. Essa foi uma técnica muito interessante, pois facilita a introdução do leitor na obra, inicialmente imaginando se tratar de algo mais superficial e excêntrico, mas que logo nas primeiras páginas é fisgado pelo contexto da polônia na iminência da guerra.


Na verdade, um estudo teórico mais profundo de Maus revela que o Holocausto muitas vezes ocupa o segundo plano, fazendo emergir como tema principal da obra a relação de Spielgeman com seu pai Vladek. Maus faz uma transição constante entre o presente, nas conversas entre pai e filho, e o passado, relatado de forma extremamente realista.


Spielgeman teve grande sucesso e Maus venceria o prestigiado prêmio Pulitzer, até hoje a única história em quadrinhos a conquistar tal feito. É uma obra essencial para qualquer apreciador da arte e da história do homem, retratando bem suas contradições, qualidades e defeitos.


Pros:

- A idéia de utilizar formas antropomórficas de animais realmente é genial, pois dá uma aparência leve para um tema muito sério, o que facilita a imersão inicial do leitor. Não devemos nos esquecer que muitos desenhos animados com animais foram utilizados de maneira propagandística na Segunda Guerra.

- A técnica narrativa de Spielgeman é sólida e de um timing praticamente perfeito. Raramente usa ângulos ou técnicas incomuns, buscando um tom mais direto que combina de maneira fluida a arte com o roteiro.

- O Holocausto é um tema muito utilizado em obras de arte e literatura. Porém, Spielgeman conseguiu dar uma visão particular e impressionante sobre o assunto, com uma vasta riqueza de detalhes da época e situações. É uma referência ao Holocausto do mesmo nível, se não for superior, do que A Lista de Schindler de Steven Spielberg.

- Spielgeman fornece grande profundidade para a personalidade contraditória do seu pai, uma pessoa muito difícil de se conviver. Ao contrário do que possa parecer, não é fácil retratar a personalidade uma pessoa real em uma obra artística, pois o risco de se criar uma "casca" caricata e superficial é grande.

- Ainda bem que não foi transformado em filme. Às vezes o bom senso prevalece.


Rating: 10/10