domingo, 2 de agosto de 2009

Maus (1986 e 1991)



MAUS (1986 - 1991)


Roteiro e Arte: Art Spielgeman

Editora: Pantheon, Companhia das Letras (Brasil)



"Precisar de muitos livros minha vida [sic] , ninguém quer ouvir esses [sic] histórias."


A década de 1980 foi crucial para o enfraquecimento da idéia de que as histórias em quadrinhos eram apenas histórias de super-heróis com capas e poderes fantásticos. Com o lançamento de Um Contrato com Deus de Will Eisner em 1978, o caminho se abriu um pouco para vários talentos, muitos já conhecidos no mercado independente, experimentarem e desenvolverem suas técnicas para um público um pouco maior, saindo do underground.


Maus talvez seja o principal exemplo desse movimento. Art Spielgeman, um ícone dos quadrinhos subversivos americanos, expressa no papel a fascinante e pesada história do seu pai, um judeu sobrevivente dos campos de concentração da Segunda Guerra. Spielgeman sempre teve que conviver com os traumas que ficaram após o conflito, já que não só o seu pai, mas também sua mãe foi aprisionada pelos alemães. Essa convivência difícil, aliada ao movimento hippie e de liberdade da década de 1960, contribuiu para Spielgeman se mergulhar nas drogas e entrar em um colapso nervoso, tendo que passar um tempo em um sanatório. Para piorar a situação, sua mãe cometeria suicídio, tornando ainda mais complexa a relação do desenhista com seu pai. No início da década de 1980, Spielgeman finalmente resolve colocar sua dor na ponta da caneta.


O primeiro volume sairia em 1986 e o segundo em 1991 (a versão brasileira é a completa com os dois volumes). Spielgeman ainda iria além e desenharia os personagens de Maus com formas antropomórficas de animais. Os judeus são ratos (maus em alemão), os alemães são gatos, os americanos são cachorros, etc. Essa foi uma técnica muito interessante, pois facilita a introdução do leitor na obra, inicialmente imaginando se tratar de algo mais superficial e excêntrico, mas que logo nas primeiras páginas é fisgado pelo contexto da polônia na iminência da guerra.


Na verdade, um estudo teórico mais profundo de Maus revela que o Holocausto muitas vezes ocupa o segundo plano, fazendo emergir como tema principal da obra a relação de Spielgeman com seu pai Vladek. Maus faz uma transição constante entre o presente, nas conversas entre pai e filho, e o passado, relatado de forma extremamente realista.


Spielgeman teve grande sucesso e Maus venceria o prestigiado prêmio Pulitzer, até hoje a única história em quadrinhos a conquistar tal feito. É uma obra essencial para qualquer apreciador da arte e da história do homem, retratando bem suas contradições, qualidades e defeitos.


Pros:

- A idéia de utilizar formas antropomórficas de animais realmente é genial, pois dá uma aparência leve para um tema muito sério, o que facilita a imersão inicial do leitor. Não devemos nos esquecer que muitos desenhos animados com animais foram utilizados de maneira propagandística na Segunda Guerra.

- A técnica narrativa de Spielgeman é sólida e de um timing praticamente perfeito. Raramente usa ângulos ou técnicas incomuns, buscando um tom mais direto que combina de maneira fluida a arte com o roteiro.

- O Holocausto é um tema muito utilizado em obras de arte e literatura. Porém, Spielgeman conseguiu dar uma visão particular e impressionante sobre o assunto, com uma vasta riqueza de detalhes da época e situações. É uma referência ao Holocausto do mesmo nível, se não for superior, do que A Lista de Schindler de Steven Spielberg.

- Spielgeman fornece grande profundidade para a personalidade contraditória do seu pai, uma pessoa muito difícil de se conviver. Ao contrário do que possa parecer, não é fácil retratar a personalidade uma pessoa real em uma obra artística, pois o risco de se criar uma "casca" caricata e superficial é grande.

- Ainda bem que não foi transformado em filme. Às vezes o bom senso prevalece.


Rating: 10/10