quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Action Philosophers (2005-2007)

Capa do número 1


Por que o leite é mais barato que o ouro?
O barbudo Marx responde!


Action Philosophers (2005-2007)

Roteiro: Fred Van Lente

Arte: Ryan Dunlavey

Editora: Evil Twin Comics


Estudar filosofia é fundamental para qualquer um. A filosofia forma a base de todo o conhecimento e eleva a educação e a cultura do indivíduo, abrindo mentes e caminhos para entendermos o ser humano e o nosso mundo. Isso é bonito na teoria, só que não é fácil, e exige muito esforço.


Um dos grandes problemas que impedem uma melhor apreciação da filosofia é a grande dificuldade de entendermos e interpretarmos os textos mais importantes. Muitas vezes um professor acaba inclusive dificultando o processo, embaralhando ainda mais nossas mentes. Existem muitos livros didáticos que buscam simplificar o conceito e as teorias filosóficas para tornar o processo menos árduo, e realmente esse parece ser o caminho, dando um passo de cada vez, com livros simples, até termos condições de lermos o autor no texto original.


É nesse contexto de dificuldade de inserção no fascinante mundo da filosofia que entra a excelente série de revistas em quadrinhos Action Philosophers, veiculada em nove números entre 2005 e 2007 pela pequena Evil Twin Comics. Action Philosophers busca explicar de maneira cômica e simplificada as principais teorias da filosofia, desde pensadores clássicos como Platão e Aristóteles até filósofos mais recentes, do século XX, como Sartre e Derrida. Vencedora de diversos prêmios, Action Philosophers mascara assuntos complexos e sérios com um ar mais leve. Por exemplo, Platão é retratado como um lutador de luta livre (o que corresponde a realidade), que fala de maneira grotesca e simples, enquanto o grande Foucault não é perdoado e aparece com uma roupa sadomasoquista.


Um ponto bem interessante era que os filósofos a serem abordados em alguns números eram escolhidos através da votação do leitor, dando um certo dinamismo, e é uma pena que a série não tenha durado mais, pois ainda faltaram alguns filósofos. Para quem quer um ponto de partida para a filosofia, ou para o professor que quer simplificar a sua linguagem, Action Philosophers é uma excelente ideia, e na Amazon encontramos toda a série compilada em poucos volumes. Agora é ler se divertindo e botar a cuca para trabalhar.


Pros:

- Facilita a introdução ao difícil campo da filosofia.

- Grande variedade de teóricos estudados, apesar, logicamente, do ocidente ter mais destaque. Há inclusive o mitólogo Joseph Campbell, importantíssimo no campo da narrativa e mentor da Jornada do Herói.

Contras:

- Faltaram alguns filósofos interessantes.

- O último número, ao invés de tratar de apenas três filósofos, como de costume, fala apressadamente de doze! Assim nenhuma simplificação filosófica funciona.


Rating: 9/10



segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Surfista Prateado: Parábola (1988-1989)



Melhor diálogo de todos os tempos?



Surfista Prateado: Parábola (1988-1989)

Roteiro: Stan "The Man" Lee

Arte: Moebius

Editora: Marvel, Abril (Graphic Novel 11: 1989)


"Não nos é permitido saber se lograremos êxito ou não. Não há desonra em falhar. Só existe uma vergonha definitiva: a vergonha de não ter tentado."


Em um futuro não muito distante, Galactus, o devorador de planetas, retorna ao planeta Terra consumido pela sua fome. Impedido de nos atacar por uma promessa feita tempos atrás, sua presença estática é suficiente para levar a humanidade, sedenta em busca de Deus, ao caos. Lutando contra a teimosia e a hipocrisia, o Surfista Prateado parte para mais uma jornada quase impossível para tentar livrar o homem de sua cegueira. Venceu o prêmio Eisner de melhor minissérie em 1989.


O Surfista Prateado é sem dúvida um dos personagens mais singulares de todos os tempos, um alienígena que, ao mesmo tempo que não se conforma com a autodestruição humana, percebe em nossa raça a presença de qualidades tão puras e nobres que valem qualquer esforço. O Surfista surgiu pela primeira vez na clássica trilogia de Galactus apresentada em 1966 por Stan Lee e Jack Kirby (Fantastic Four #48,49,50), onde é o discípulo de Galactus. No fim, após perceber as virtudes que o homem pode desenvolver, ele se vira contra o seu mestre e ajuda os heróis a salvarem o planeta.


Ao longo dos próximos anos o Surfista ficaria bem popular, principalomente dentro do contexto do movimento hippie e estudantil americano contra a Guerra do Vietnã, e ganharia sua própria revista, sendo agora desenhado por John Buscema. Stan Lee sempre diz que o Surfista é o seu personagem principal, e o compara a Jesus Cristo, vide o título desta obra, já que Cristo é conhecido por falar aos seus seguidores por parábolas, que são diálogos alegóricos que procuram passar no fundo um significado moral.


Realmente o Surfista Prateado é fascinante, e talvez a sua melhor história desde a clássica trilogia seja Parábola, inicialmente uma minissérie em duas edições, lançada aqui no Brasil compilada em apenas uma revista. Parábola marca pela primeira vez a combinação de Lee com a lenda dos quadrinhos europeus Jean Giraud, o Moebius. É uma história feita no final da década de 80, onde o mundo vive o clima de intensa crise da União Soviética e ainda respira algum resquício de uma possível guerra nuclear, mas já está às portas da selvageria da globalização.


Lee preferiu escrever a história em uma espécie de futuro alternativo, sem a presença de qualquer outro super-herói, e fez, mais uma vez, uma obra prima. Escrever histórias do Surfista Prateado é muito difícil. É um personagem com poderes quase infinitos, o que limita em muito seus inimigos na Terra (problema semelhante ao do Superman), e seu diálogo é um diálogo sofrido, que nas mãos de um escritor pouco cauteloso acaba se tornando saturado. Além disso, o Surfista não tem um apelo infantil forte. Devido a essas limitações, a maioria das revistas continuadas do Surfista não foram sucesso de vendas. A própria série original acabou produzindo apenas 18 números. Uma das saídas mais fáceis é levar o Surfista para o espaço, equiparando-o com outros personagens poderosos. Porém, ao realizar isso, o escritor acaba com a dualidade Surfista/Planeta Terra, fundamental para dar vida a qualquer obra do herói.


Lee e Moebius criam uma história cheia de simbolismos (utilizando leves parábolas) e lições. Um inescrupuloso líder religioso se aproveita da situação para criar um culto a Galactus. A humanidade alcança a paz com medo do que Galactus pode fazer, mas o próprio Galactus quer a destruição da Terra, e por isso diz que não há pecado, que tudo é permitido, levando o homem a um estado de total selvageria. Será Galactus um Deus? Essa é uma dúvida que os homens lançam ao próprio Galactus.


Os diálogos de Lee são clássicos e bem "literários". As frases de impacto se sucedem uma atrás da outra. Moebius traz uma arte mais estática, fria, européia, evitando a utilização de movimentos intensos dos personagens, se afastando do estilo Kirby de desenhar. É uma obra importante, que acrescenta pouco ao personagem, é verdade, mas que busca mais uma vez abrir nossos olhos para nossos defeitos.


Pros:

- O Surfista Prateado é fascinante mas difícil de se trabalhar, e Parábola acha o tom certo para o personagem brilhar.

- A não utilização de outros super-heróis, colocando a história em uma espécie de futuro alternativo.

- É muito interessante vermos um estilo de arte europeu, ainda mais da década de 80, em uma história da Marvel.

- Os diálogos do Surfista raramente foram melhores.


Contras:

- A história faz a gente pensar e ponderar, mas ela não aprofunda em muitos aspectos. Dá a sensação de que Lee só trabalha aqui o superficial, inclusive com os personagens sendo unidimensionais, com exceção do Surfista e de Galactus.

- Apesar de achar o tom certo nos diálogos do Surfista, Lee faz quase todos os personagens falarem parecido, de forma pomposa e pouco mundana.


Rating: 9/10


quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Star Trek Annual Vol 1. número 3 - Retrospect (1988)



Star Trek Annual Vol 1. número 3 - Retrospect (1988)

Roteiro: Peter David

Arte: Curt Swan

Arte-Final: Ricardo Villagran

Editora: DC Comics



"É sempre um pouco perturbador, perder uma pessoa amada e sentir um minúsculo sopro da sua própria mortalidade ao mesmo tempo."


O engenheiro-chefe Montgomery Scott recebe a notícia da morte de sua esposa, e através de um cordão deixado por ela, relembra fatos importantes de sua vida desde a infância na Escócia.


Sempre fui mais ligado em Jornada nas Estrelas (Star Trek) do que em Guerra nas Estrelas (Star Wars), provavelmente por causa do ritmo mais lento e do melhor desenvolvimento dos personagens, já que os atores e escritores trabalharam mais de vinte anos no assunto.


Guerra nas Estrelas é mais fantasia, faroeste, ação, e tem uma estrutura de roteiro pronta e testada, que é a Jornada do Herói, muito estudada por Joseph Campbell em seu livro O Herói de Mil Faces. Já Jornada nas Estrelas foi um produto da década de 1960, da disputa pelos direitos civis dos negros, da consolidação do feminismo, da Guerra Fria, sempre procurando retratar esses temas delicados através da relação entre humanos com seres e planetas alienígenas.


As histórias em quadrinhos sempre foram utilizadas por essas séries como uma forma de extensão dos filmes, e até hoje são publicadas, satisfazendo a sede dos fãs. Acontece que sempre faltou consistência nos quadrinhos dessas franquias, que alternam bons e maus momentos. Porém, garimpando com cautela, acharemos excelentes histórias, como essa feita em 1988 por Peter David e pelo lendário Curt Swan.


David, conhecido dos fãs de quadrinhos e fanático por Jornada nas Estrelas, é mais lembrado pela sua longa estadia escrevendo O Incrível Hulk, além de ter escrito uma das melhores histórias do Homem-Aranha: A Morte de Jean DeWolff. Já Curt Swan, falecido em 1996, é o principal desenhista do Superman em todos os tempos, tendo trabalhado com o herói por décadas.


A história se situa entre o segundo filme, A Ira de Khan, e o terceiro, A Procura de Spock, um momento particularmente difícil para Scott, já que seu sobrinho morre ao final do segundo filme e ele é considerado culpado pela família. É bom lembrar que os personagens aqui já passaram da meia-idade, o que torna a história especial e difícil de ser escrita. Em Retrospect, David segue a risca os mandamentos de Jornada nas Estrelas, que é mostrar a relação de amizade, confiança e intimidade entre os personagens, e é o que faz essa série ser eterna e cativante. Uma ótima leitura para os apreciadores.


Pros:

- Retrata fielmente o espírito da série, mais lento e dando profundidade aos personagens.

- David faz bom uso dos flashbacks, a técnica de rever fatos do passado, e que deve ser usada com muito cuidado. Não há a indicação na maioria das vezes de que há a passagem do tempo, mas o leitor consegue absorver a mudança devido a uma transição bem feita.


Contras:

- Para ter uma apreciação e entendimento da história, é necessário todo um conhecimento prévio sobre Jornada nas Estrelas. Apesar do tema central ser universal, a perda de um ente querido, há a necessidade de sabermos inclusive alguns detalhes dos filmes para podermos aproveitar a obra ao máximo.

- Os personagens já possuem certa idade, o que pode dificultar um pouco a ligação com leitores mais jovens.

- Muitas vezes um painel de quadrinhos não precisa ter o fundo desenhado para dar mais destaque aos personagens, porém, o background dos painéis na maioria das situações é inexistente ou pouco trabalhado.


Rating: 9/10

domingo, 2 de agosto de 2009

Maus (1986 e 1991)



MAUS (1986 - 1991)


Roteiro e Arte: Art Spielgeman

Editora: Pantheon, Companhia das Letras (Brasil)



"Precisar de muitos livros minha vida [sic] , ninguém quer ouvir esses [sic] histórias."


A década de 1980 foi crucial para o enfraquecimento da idéia de que as histórias em quadrinhos eram apenas histórias de super-heróis com capas e poderes fantásticos. Com o lançamento de Um Contrato com Deus de Will Eisner em 1978, o caminho se abriu um pouco para vários talentos, muitos já conhecidos no mercado independente, experimentarem e desenvolverem suas técnicas para um público um pouco maior, saindo do underground.


Maus talvez seja o principal exemplo desse movimento. Art Spielgeman, um ícone dos quadrinhos subversivos americanos, expressa no papel a fascinante e pesada história do seu pai, um judeu sobrevivente dos campos de concentração da Segunda Guerra. Spielgeman sempre teve que conviver com os traumas que ficaram após o conflito, já que não só o seu pai, mas também sua mãe foi aprisionada pelos alemães. Essa convivência difícil, aliada ao movimento hippie e de liberdade da década de 1960, contribuiu para Spielgeman se mergulhar nas drogas e entrar em um colapso nervoso, tendo que passar um tempo em um sanatório. Para piorar a situação, sua mãe cometeria suicídio, tornando ainda mais complexa a relação do desenhista com seu pai. No início da década de 1980, Spielgeman finalmente resolve colocar sua dor na ponta da caneta.


O primeiro volume sairia em 1986 e o segundo em 1991 (a versão brasileira é a completa com os dois volumes). Spielgeman ainda iria além e desenharia os personagens de Maus com formas antropomórficas de animais. Os judeus são ratos (maus em alemão), os alemães são gatos, os americanos são cachorros, etc. Essa foi uma técnica muito interessante, pois facilita a introdução do leitor na obra, inicialmente imaginando se tratar de algo mais superficial e excêntrico, mas que logo nas primeiras páginas é fisgado pelo contexto da polônia na iminência da guerra.


Na verdade, um estudo teórico mais profundo de Maus revela que o Holocausto muitas vezes ocupa o segundo plano, fazendo emergir como tema principal da obra a relação de Spielgeman com seu pai Vladek. Maus faz uma transição constante entre o presente, nas conversas entre pai e filho, e o passado, relatado de forma extremamente realista.


Spielgeman teve grande sucesso e Maus venceria o prestigiado prêmio Pulitzer, até hoje a única história em quadrinhos a conquistar tal feito. É uma obra essencial para qualquer apreciador da arte e da história do homem, retratando bem suas contradições, qualidades e defeitos.


Pros:

- A idéia de utilizar formas antropomórficas de animais realmente é genial, pois dá uma aparência leve para um tema muito sério, o que facilita a imersão inicial do leitor. Não devemos nos esquecer que muitos desenhos animados com animais foram utilizados de maneira propagandística na Segunda Guerra.

- A técnica narrativa de Spielgeman é sólida e de um timing praticamente perfeito. Raramente usa ângulos ou técnicas incomuns, buscando um tom mais direto que combina de maneira fluida a arte com o roteiro.

- O Holocausto é um tema muito utilizado em obras de arte e literatura. Porém, Spielgeman conseguiu dar uma visão particular e impressionante sobre o assunto, com uma vasta riqueza de detalhes da época e situações. É uma referência ao Holocausto do mesmo nível, se não for superior, do que A Lista de Schindler de Steven Spielberg.

- Spielgeman fornece grande profundidade para a personalidade contraditória do seu pai, uma pessoa muito difícil de se conviver. Ao contrário do que possa parecer, não é fácil retratar a personalidade uma pessoa real em uma obra artística, pois o risco de se criar uma "casca" caricata e superficial é grande.

- Ainda bem que não foi transformado em filme. Às vezes o bom senso prevalece.


Rating: 10/10